Editorial em O Estado de São Paulo Não faz nem um mês que o presidente Lula disse: “Irmão a gente não escolhe, mas companheiro a gente escolhe.” Com o escândalo da frustrada compra do “dossiê” que vincularia o candidato José Serra à máfia dos sanguessugas, essas palavras, ditas nos funerais de d. Luciano Mendes de Almeida, voltaram a galope para pisotear a de há muito esgarçada credibilidade do seu autor. Pois foi o próprio Lula quem escolheu, de livre e espontânea vontade, os companheiros que participaram da operação que não se cansa de chamar “abominável”. Alguns o acompanham desde a sua ascensão como sindicalista. Outros estavam ao seu lado na fundação do PT ou a ele aderiram na sua fase heróica. Outros chegaram depois e subiram depressa. Lula deve conhecê-los tão bem como a si mesmo.
Veja-se, por exemplo, a trajetória de Jorge Lorenzetti, o churrasqueiro famoso e até há pouco um discreto operador político do recandidato; de Oswaldo Bargas, o redator do programa para o segundo governo; e de Ricardo Berzoini, duas vezes ministro, presidente do PT e chefe da campanha da reeleição, os principais defenestrados para prevenir a queima do estoque de votos necessários à vitória já no primeiro turno. Acrescentem-se aos deles os nomes de José Dirceu e José Genoino, que precederam Berzoini no comando do PT, também caídos em desgraça por causa do mensalão. E ainda, da nova geração de petistas notáveis, o de Antonio Palocci - de quem Lula se livrou, como de todos os demais, não por seus malfeitos comprovados em juízo, mas para remover cirurgicamente tudo e todos quantos possam atrapalhar os seus projetos de poder. Entrevistado ontem no Bom Dia Brasil, da Rede Globo, ele não poderia ter sido mais cândido. “Quando eu afasto um companheiro como o Ricardo Berzoini, não é que eu ache que ele tem culpa ou que está envolvido”, argumentou. “É que não posso, faltando 10 dias para as eleições, ter um coordenador que vai passar 10 dias respondendo sobre dossiê.” A questão que acerta em cheio o presidente da República, portanto, não é obviamente a de ele novamente jurar ignorância dos fatos que deplora. O essencial é que ele pode não saber o que fazem os seus em dado momento, mas sabe perfeitamente o que são capazes de fazer a qualquer momento. A entrevista, que deixou Lula amuado porque se concentrou no “dossiê”, foi reveladora em outros sentidos também. Por convicção ou conveniência, rasgou metaforicamente em pedacinhos as acusações da família Vedoin ao tucano José Serra. Ridicularizou “os companheiros que tiveram a ilusão de que estavam encontrando algo tão poderoso que poderia mudar o planeta Terra” e achavam que estavam “descobrindo as minas de Salomão”, ou que o material equivalia aos “17 dias que abalaram o mundo” - numa citação que bateu na trave do clássico de John Reed sobre a Revolução Russa: Os Dez Dias que Abalaram o Mundo. Mas a pá de cal na validade do dossiê foi a sua lição aos operadores da “Operação Tabajara” e ao jornalismo venal ou irresponsável. “A pessoa que pede dinheiro (para fazer uma denúncia) não merece confiança”, asseverou, para concluir pouco depois: “Mexer com bandido não dá certo em parte alguma do mundo.” Ainda em relação aos companheiros, foi ao extremo de dizer que “as pessoas deveriam ter denunciado” as ofertas dos chefes da máfia dos sanguessugas, com o que ele implicitamente sustenta que a iniciativa do negócio partiu deles. Essa é a versão difundida pelo ex-policial Gedimar Passos, que trabalhava como araponga no comitê da campanha de Lula. Mas não é de descartar, tendo em vista os muitos aspectos ainda não esclarecidos da tabajarada, que a iniciativa tenha partido do petismo. De todo modo, o presidente driblou as questões mais incômodas com que foi confrontado. Primeiro, se de Waldomiro Diniz até o “dossiê”, passando pelo mensalão e pelos dólares na cueca, não seria tudo “coincidência demais”. Segundo, o que impediu o governo, desde o primeiro escândalo, de tomar “medidas preventivas” para evitar o seu eterno retorno. Eis por que o ex-presidente Fernando Henrique está certo quando disse anteontem que não pode acreditar que Lula “seja tão ingênuo”, e Lula não convence quando disse ontem que o seu comportamento na política é “impecável”.
Editado por Giulio Sanmartini às 9/22/2006 04:35:00 PM |
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