Por Ralph J. Hofmann
Por volta de 1973, trabalhando na Cidade do Cabo entrei numa parte da cidade em que as casas eram pobres. Tinha alguma coisa do Bowery de New York onde se vê pessoas de rua bebericando de garrafas embrulhadas em sacos de papel pardo. Pessoas que estão nas últimas. Ouvi um homem sentado na varanda esbravejando. Não consegui definir o que dizia. Apenas sentiu uma ânsia e uma raiva incontida no tom de voz. Perguntei à pessoa que me acompanhava o que era aquilo. Disse-me que estávamos numa das piores manifestações do “apartheit”.
“Esse é o bairro em que acabam os brancos pobres. Apesar do jogo estar marcado a favor dos brancos sempre há pessoas que nem mesmo assim conseguem um meio de vida digno, seja por bebida, seja por rejeitarem todas as oportunidades, burrice, incompetência. Acabam aqui. E são os verdadeiros racistas. Porque sempre se enxergam melhores que os negros. Ou seja, podem estar no último círculo do inferno, mas acham que são melhor que os negros.” Hoje, lendo “Não Somos Racistas” do Ali Kamel, veio-me à mente esta cena. Além disto veio-me também à memória os anos em que vivi ao lado da maior favela dos anos 50 e 60 de Caxias do Sul. A maior parte das pessoas nessa favela era de brancos, ou brancos mestiços com índios missioneiros. Havia alguns negros mas na maioria pardos. Quando mudamos para aquela região tive grandes problemas. A favela terminava a menos de 200 metros da minha casa. Casa grande, com caro na frente. Para ir à pé para a escola alguns dias eu atravessava um verdadeiro “corredor polonês”. Isto quando eu tinha 9 anos. Mas com o passar dos anos começamos a conversar, comecei a ver os meninos da favela como indivíduos, e chegamos a um ponto em que eu podia atravessar aquela área a qualquer hora do dia e da noite sem temor. Sei que a maior parte daqueles garotos, brancos e negros estudou, alguns no SENAI, e as últimas notícias são de que todos acabaram em casas do BNH, com empregos seguros. Alguns, com o tempo estudaram em universidades. O irmão mais velho de um deles, um pardo, era o barbeiro do morro. Hoje é um empreendedor. Criou alguns negócios, inclusive uma empresa de refrigeração com o irmão. Tem casas e terrenos. O PT e o PDT sempre querem que seja candidato a alguma coisa. Diz que seu perfil está mais à direita. É empresário. Não quer ser político. A favela ainda está lá. Mas, exceto pelos mais velhos, os residentes são outros. Não sei avaliar o clima da favela hoje. Desconfio que os problemas que o Brasil enfrentou intermitentemente, com paradas e aceleradas nos últimos trinta anos terão corroído a equanimidade dos seus residentes. A cor era pouco importante. O barbeiro que citei casou com uma menina alemã, também residente na favela. Isso muito antes de se tornar próspero. Havia muita pouca noção de raça no lugar. Havia mais a noção de pobreza. O clima vigente era de buscar uma vida melhor. As empresas recrutavam empregados no lugar e estes vinham imbuídos de uma ética de trabalho. As escolas, naquelas décadas, faziam, ao menos neste rincão do Brasil, aquilo que se pretendia delas. Encontrei a mesma situação nos mangues de Joinville nos anos 80. Eu precisava achar uma babá para meus filhos. Me indicaram que fosse à favela no mangue. Encontrei uma enorme cidade sobre pilotis. Ruas barrentas, pois não passavam de trilhos pelo mangue. E a mesma composição populacional da Caxias do Sul da minha infância. Poucos negros. Ou seja, nas duas grandes cidades industriais em que vivi no Sul do Brasil havia muitos brancos, alguns pardos e poucos negros nas favelas. Isso nos indica que este país, conforme conclui Ali Kamel as soluções não podem ser raciais. Em estados onde houve pouca escravidão, cuja população começou a se adensar após a fase da escravidão há mais pobres descendentes de açorianos, alemães e italianos do que negros ou pardos. E é a educação e a disponibilidade de empregos que vai tirá-los do marasmo. As quotas os marginalizarão enquanto os salários família não lhes permitirão realizar seu potencial. E isto graças a dogmas de teóricos que preferem não ser incomodados com a realidade.
Editado por Adriana às 9/26/2006 12:34:00 AM |
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