Por Paulo Kramer em Congresso em Foco Há menos de duas semanas, a eleição presidencial estava mais do que monótona. Estava insuportável. O tédio reinava absoluto na disputa ao Planalto. O presidente Lula apresentava uma vantagem irredutível e, para agravar o quadro, a lei eleitoral resolveu proibir a campanha nas ruas, responsável pela alegria do período e por uma temporária distribuição de renda em favor das pessoas contratadas para produzir os brindes ou cuidar dos showmícios agora proibidos. De repente, dois petistas foram presos num hotel em São Paulo com R$ 1,7 milhão. O dinheiro seria utilizado para a compra de um dossiê contra os candidatos do PSDB ao governo de São Paulo, José Serra, e à Presidência da República, Geraldo Alckmin. Fotografias, uma agenda e uma fita de vídeo comprovariam a ligação dos tucanos com parlamentares sanguessugas. Com a prisão dos petistas Gedimar Passos e Valdebran Padilha, o cenário eleitoral sofreu uma mudança que pode ser significativa.
O caso da compra do dossiê provocou a queda do coordenador da campanha do presidente Lula à reeleição, Ricardo Berzoini; do assessor especial da Presidência da República, Freud Godoy; do diretor de Gestão e Risco do Banco do Brasil, Expedito Veloso; do analista de risco e mídia da campanha de Lula, também conhecido como o churrasqueiro favorito do presidente, Jorge Lorenzetti; do responsável pelo capítulo de Trabalho e Emprego do programa de governo de Lula, Oswaldo Bargas; e do coordenador da campanha do petista Aloizio Mercadante ao governo de São Paulo, Hamilton Lacerda.
Ora, se tanta gente ligada ao presidente da República cai de uma hora para outra numa reta final de campanha eleitoral, é bastante razoável que se espere que o episódio em questão traga alterações no panorama das eleições. Apesar de nebuloso, e de não ter ainda sido completamente compreendido, o caso da compra do dossiê contra candidatos tucanos pode levar a disputa para o segundo turno das eleições. O ex-vice presidente Marco Maciel costuma dizer que a previsão política deve ser feita apenas para fatos do passado. Mas, com certa dose de ousadia, é possível afirmar agora que temos grandes chances de ter um segundo turno nesta eleição que, de maneira simplificada, está polarizada entre a indignação ética e o Bolsa Família. Dos quase 126 milhões de eleitores brasileiros, 7 milhões ganham acima de dez salários mínimos, 15 milhões ganham entre cinco e dez salários mínimos e mais de 100 milhões recebem abaixo de cinco salários mínimos. Esse diagnóstico revela, entre outras coisas, que a imensa maioria do eleitorado brasileiro tem dificuldade de acesso à informação, um bem que não sai barato para ninguém. Nesse contexto, ganha especial importância a figura do vizinho, do parente, do amigo ou do colega de trabalho que por um motivo ou outro é tido como conhecedor de política. A opinião do eleitorado brasileiro depende, e muito, desse sujeito que traduz o noticiário político para os que não entendem muito bem o que um deputado federal faz num tal de Congresso Nacional. O cientista político Lúcio Rennó, meu ex-aluno e atualmente professor da Universidade do Arizona, nos Estados Unidos, realizou uma pesquisa sobre o papel da conversa na decisão do eleitorado brasileiro. Rennó acompanhou o mesmo grupo de eleitores durante as eleições de 2002 e pôde verificar, por exemplo, como se deu a queda da chamada "onda Ciro Gomes". O então candidato do PSDB ao Planalto, José Serra, iniciou uma série de investidas contra a candidatura de Ciro Gomes, que na ocasião encontrava-se no segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto. Serra afirmava em sua propaganda que o temperamento de Ciro Gomes era explosivo, conduta que não condiz com a figura de um presidente da República. Resultado: o tucano passou para a vice-liderança das pesquisas. A mudança de opinião do eleitorado foi registrada na pesquisa de Rennó. E as conversas informais a respeito de política foram mais do que decisivas no abandono da candidatura de Ciro Gomes na ocasião. Em relação ao caso da compra do dossiê contra os tucanos, muda coisa ainda precisa ser esclarecida. A digestão de mais esse escândalo ainda não foi feita. No entanto, é certo que as baixas na campanha do presidente Lula refletirão nas conversas de mesa de bar, de corredor de repartição, de sala de aula, entre amantes, credores, desafetos e terreiros. O tucano Geraldo Alckmin, confiante de que o escândalo faça com que a eleição seja decidida no segundo turno, já agendou um debate na TV Bandeirantes para o dia 8 de outubro, uma semana depois do primeiro turno das eleições. O segundo turno nessas eleições já não é mais um cenário improvável. Até o presidente Lula já admite em público essa possibilidade. O certo é que aquela conversa despretensiosa e supostamente inocente a respeito de política ajuda a imensa maioria do eleitorado brasileiro a tomar a sua decisão e tem um impacto muito maior do que imaginávamos.
Editado por Giulio Sanmartini às 9/26/2006 02:52:00 AM |
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