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SIMBOLOGIA ELEITORAL
Por Carlos Chagas na Tribuna da Imprensa
BRASÍLIA - Símbolos costumam enganar quantos acreditam neles, inclusive os próprios simbolizados. Não raro uma figura criada a partir de valores que não possui, ou que deixou de possuir, continua comportando-se conforme a falsa imagem, absorvendo-a e tornando-se uma espécie de sombra de si mesmo.
Feita a preliminar, e com todo o respeito, vale examinar a simbologia dos principais candidatos à presidência da República, ou seja, o que pensam ser, o que a opinião pública imagina serem e o que são na realidade.
Qual o símbolo expresso pelo presidente Lula? Para começar, de que virou rotina, num país como o nosso, a ascensão de um operário ao poder maior. Conclui o cidadão comum com otimismo que, se o Lula conseguiu, por não conseguirá ele?
Claro que sem pensarem todos na presidência da República, mas, certamente, na realização de sonhos, seja o de passar de assalariado a patrão, de conquistar padrões de vida comuns às elites, de ser convocado para a seleção nacional, de viver de renda, ganhar na loteria ou ingressar na Academia Brasileira de Letras.

Na realidade, trata-se de um sonho, de uma ilusão, tanto para quem acredita quanto para quem encarna esse anômalo símbolo de sucesso. A natureza das coisas mostra a inviabilidade de a exceção virar regra, mas foi ela que envolveu simbolicamente o presidente Lula, e até lhe rende votos. Ele mesmo se imagina o exemplo vivo do trabalhador que chegou ao poder com a missão de governar para os trabalhadores.

Será? Surge aí outro símbolo a demolir. Para começar, apesar das aparências, Luiz Inácio Lula da Silva não se elegeu como torneiro-mecânico, atividade abandonada mais de duas décadas atrás. Sequer como líder sindical que foi no passado.

Transmudou-se em chefe de um partido político. O PT pretendia-se uma legenda diferente das demais, o verdadeiro instrumento dos trabalhadores e, como tal, proprietário exclusivo dos valores operários, das esperanças à ética.
Como candidato, talvez não da primeira nem da segunda vez, mas com certeza da terceira, da quarta, e agora da quinta, de trabalhador o atual presidente dispõe apenas do rótulo.
De um símbolo distorcido. Um trabalhador não amealha, como trabalhador, um patrimônio de quase 900 mil reais, boa parte em aplicações financeiras. Não consegue, mesmo ao longo de toda uma vida, tornar-se proprietário de três apartamentos, um deles para veranear na praia.
Tornou-se o Lula, mesmo antes de subir a rampa do Planalto, um político igual aos demais. Cheio de contatos e compromissos com as elites, com o empresariado contra o qual se insurgia, com os partidos políticos que verberava. Obrigou-se a refazer e a desfazer modelos anteriores. Tenta manter apenas o símbolo. Não se emitem juízos de valor a respeito dessa metamorfose. É evidente que um presidente da República precisa ser presidente de todos os brasileiros, não apenas de uma classe.
A constatar está o fato de que o símbolo esmaeceu, apesar de cultivado em períodos eleitorais. Um trabalhador que venceu a ponto de deixar de ser trabalhador pode existir, até existe, não há nada contra, mas será sempre um em um milhão. Ou bilhão. Uma forma de ilusão para os demais, até capaz de reduzir-lhes a indignação.
Mas tem mais. Mesmo demonstrando não se constituir no exemplo de que todos os trabalhadores podem chegar onde chegou, mas apenas um, ele mesmo, e ainda que não represente mais os trabalhadores, de forma isolada, poderia o Lula exprimir o símbolo de um presidente essencialmente voltado para as necessidades, os interesses e as agruras da maioria desprotegida?
Poderia, teoricamente, mas é bom verificar que apesar do bolsa família, da democratização das universidades, de certos investimentos em transporte e saneamento básico, o presidente beneficiou bem mais as elites. Jamais o capital especulativo viu-se tão aquinhoado de prerrogativas, até o estrangeiro, que não paga Imposto de Renda sobre os títulos da dívida interna adquiridos num dia e alienados no outro, levando os mais estratosféricos juros do planeta.
Em toda a História do Brasil, é agora que os bancos mais lucram. Como as multinacionais, que receberam patrimônio público brasileiro a preço de banana podre, inclusive o subsolo. Sem lembrar o superávit primário formado à custa do contingenciamento de despesas públicas imprescindíveis, apenas para pagar juros da dívida externa.
Os serviços públicos, quase todos doados a empresas privadas, multiplicam seus preços sem que o Estado se disponha a refrear a ganância de seus gestores. Dos remédios, nem se fala. Muito menos das aplicações do BNDES, que por pudor deveria perder o "S" de sua sigla. A Amazônia encontra-se loteada, à disposição de milionários empenhados em transformá-la num imenso misto de jardim botânico e de jardim zoológico.

Pode o presidente Lula apresentar-se para o segundo mandato como o símbolo dos excluídos e dos necessitados? Cada um que responda, mesmo com a ressalva de que em nada o denigre o fato de haver deixado de ser o símbolo dos trabalhadores. (Continua)


Editado por Giulio Sanmartini   às   7/29/2006 09:22:00 PM      |