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CONTROLADOR DESCREVE A CRISE
Estadão

A situação dramática narrada por um dos controladores do Cindacta-1, em Brasília, que preferiu não se identificar para não ser punido, mostra a insegurança que estão sentindo no trabalho. “Eu, hoje, não voaria. Não deixaria minha mulher e meus filhos viajarem (de avião)”.Os problemas nos equipamentos do Cindacta-1 são diários, de falhas de radares à pane em freqüências de rádios. Tudo o que está acontecendo é de conhecimento do Comando da Aeronáutica e está registrado nos relatórios do órgão. O relato de um controlador ao Estado mostra que falta gente e equipamento para controle de tráfego aéreo. Leia, a seguir, trechos.

REGISTRO

“Tudo que está acontecendo é de pleno conhecimento das autoridades. Só não sabemos se chegam a quem de direito. O colapso era previsto. Está tudo registrado nos livros e há até relatórios de autoridades falando de colapsos no setor.”

NÃO SABIA

“Quando começaram os problemas, primeiro esteve lá o comandante do Decea, brigadeiro (Paulo) Vilarinho. Disse que queria nos ouvir. Todos começaram a falar de cada um dos problemas, como freqüência dos rádios, ecos, chiados, radares que não funcionam, interferência de celular. Ele disse: “Eu não sabia”. Ficamos até animados, achando que ia resolver. Dois dias depois foi o comandante da Aeronáutica. Pediu que falássemos de novo. Falamos. Dissemos que todas as panes estão relatadas, estão nos relatórios de perigos, de panes de freqüência.

Ele indagou aos outros comandantes do Cindacta, do Decea: “Fulano, por que não me passou isso? Beltrano, por que não me disse. Eu não sabia. Vou solucionar, vou arrumar”. Nos entreolhamos e pensamos, não vai adiantar nada. Mais dois e aparece lá o ministro da Defesa. Aí pensamos: agora vai. O ministro repetiu: “Eu não sabia de nada disso. Por que não falaram antes?” E fez promessas. Mas, não aconteceu nada. Agora, só falta o presidente ir lá e dizer também que não sabia.”

SILÊNCIO

“Quando novo comandante assumiu, teve uma reunião. Ele pediu para que falássemos, dizendo que queria saber a extensão da situação. O discurso dele até me tocou. Mas, como eu, nenhum sargento abriu a boca. Não adianta falar. Está tudo escrito. Estão cansados de saber o que está acontecendo: falta gente e equipamento direito.”

EQUIPAMENTOS

“Todo dia tem uma reunião para que seja repassada aos controladores a situação. Todo dia é mesma coisa. Radar tal não está pegando, outro com alcance reduzido, em manutenção ou duplicando pista. Imaginem o que é parecer que tem dois aviões no mesmo lugar, mas é só um problema do radar. Freqüências tal com eco, com chiado ou interferência de celular. Tem setor que nenhuma presta. Dá pra dizer que está tudo bem com estes equipamentos? Que temos segurança dos equipamentos para trabalhar? Claro que não. As coisas não podem funcionar ao sabor do vento, da condição atmosférica. Os equipamentos têm de funcionar e pronto. Não se trata de operação padrão. Queremos trabalhar com segurança.”

PERIGO

Já quiseram pegar controlador do sistema de defesa aérea para colocar para trabalhar em uma das regiões. São três (Rio, São Paulo e Brasília). Cada um tem uma formação específica. O colega não aceitou e queriam obrigá-lo a aceitar, justificando que, ele (quem dava a ordem) era piloto e que se o comandante o mandasse pilotar outro avião que não está acostumado, se precisasse, ele pilotava, mesmo que tivesse problemas. O argumento do controlador, que se negava a receber alguém para ajudá-lo sem conhecer a área, acabou sendo mais forte, embora tivesse criado um clima ruim: o controlador avisou que se o avião que ele estivesse pilotando caísse ou tivesse algum problema, ele morreria sozinho. Mas, ali, em cada pontinho, eram 150 vidas, em cada avião e não se brinca com a vida das pessoas. Não pode, Você está lidando com a vida das pessoas e as pessoas precisam saber que está acontecendo isso porque isso, eles não contam.

REFLEXO DO ACIDENTE

“Nove entre dez controladores adoram o que fazem. Têm ideal. Antes, trabalhávamos com mais do que devíamos (além das 14 aeronaves permitidas). Chegamos a 30. Já vi colega trabalhando com 31. O controlador fica mais atento, adrenalina a mil. É até emocionante ver como somos capazes de fazer isso e fazer bem feito, com prudência, com segurança, com competência. Mas antes, não havia essa pressão, essa coação de agora. Depois do acidente, aos poucos, todos foram desabando.”


Editado por Anônimo   às   11/20/2006 06:42:00 AM      |