Editorial em O Estado de São Paulo
Se alguém ficou preocupado com as promessas mirabolantes e com as bondades eleitorais do candidato Luiz Inácio Lula da Silva, prepare-se para o pior: ele parece levar a sério o que disse nos palanques. Na reunião de terça-feira com ministros e técnicos da área econômica, o presidente não quis saber de contenção de gastos nem de medidas graduais para estimular a economia, além disso, recusou-se a ouvir uma exposição sobre reforma da Previdência. Só aprovou uma proposta, a de aumento de gastos do Projeto Piloto de Investimentos (PPI), e cobrou medidas mais audaciosas para promoção do crescimento. Ele tem pressa de colher os frutos políticos da expansão econômica, mas nenhuma, ou quase nenhuma, disposição de plantar as sementes. Isso é o que mostram as descrições da reunião em seu gabinete.
Não haverá crescimento econômico duradouro sem um sério programa de arrumação das contas públicas, nem as contas serão arrumadas sem uma nova reforma da Previdência. O presidente da República e alguns companheiros têm repetido que já se fez o suficiente, no primeiro mandato, para pôr em ordem as contas de governo e domar a inflação. Estão errados - se é que acreditam mesmo nessa fantasia. O que se fez foi criar um superávit primário baseado principalmente em aumento de impostos. Só estão certos ao defender a redução da carga tributária para dar mais fôlego ao setor privado. Mas levarão o País a um desastre, se cortarem os impostos sem conter a gastança promovida nos últimos anos e exacerbada com as bondades eleitorais. Segundo a fantasia do presidente, será fácil fechar os buracos das contas públicas, incluído o rombo da Previdência, desde que a economia cresça em média 5% ao ano durante uns dez anos. A expansão econômica ampliará o emprego formal e as contribuições previdenciárias. Esse mesmo crescimento fará declinar a relação entre a dívida pública e o PIB. Para que essas previsões se confirmem, será necessária a revogação das leis da aritmética. Como isso não poderá ocorrer por Medida Provisória, será indispensável a intervenção do Criador. Se, no entanto, a aritmética permanecer em vigor, não haverá como cortar impostos, aumentar os gastos e ao mesmo tempo reduzir a relação dívida/PIB. O crescimento econômico duradouro só pode ser uma conseqüência de uma boa combinação de impostos menores e maior disciplina fiscal. Não pode ser uma condição do próprio ajuste, mesmo porque a prosperidade econômica não depende somente de fatores internos. É preciso levar em conta as condições internacionais do comércio e das finanças. Tomar como hipótese um crescimento de 5% ao ano é violar as normas elementares do planejamento. Nenhum plano ou projeto elaborado com alguma seriedade é baseado na hipótese mais favorável. Se assim fosse, qualquer orçamento empresarial só daria certo por sorte ou milagre e nenhuma represa resistiria a uma chuva um pouco mais forte. Quem aposta no crescimento de 5% durante vários anos para ajustar as contas do Tesouro e da Previdência comete essa infantilidade. O contrário é verdadeiro: serão precisos alguns anos de contas ajustadas para o País começar a crescer 5% ao ano. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva baseou sua campanha eleitoral em bondades que inflarão as despesas públicas e em promessas de mais dinheiro, mais oportunidades e mais prosperidade para a maioria da população. Fez promessas de colheita sem plantio, como se os benefícios não tivessem custos e não fosse preciso cuidar de velhos desajustes. Se o presidente não quiser enfrentar a realidade, poderá até promover algum crescimento, afrouxando a política fiscal e talvez forçando a redução dos juros. Mas a realidade se imporá, num prazo não muito longo, e seu sucessor encontrará um país novamente em desordem. Esse, sim, terá motivos para falar de uma herança maldita. Se quiser fazer algo sério, o presidente Lula terá de encarar, preliminarmente, alguns fatos desagradáveis. Terá de reconhecer que a inflação não foi eliminada para sempre, embora tenha sido mantida sob razoável controle. Terá de admitir que as contas públicas continuam precárias e que até pioraram com as bondades eleitorais. Se aceitar esses pontos, e se der mais atenção aos melhores conselheiros, poderá abrir caminho para um crescimento econômico seguro.
Editado por Giulio Sanmartini às 11/17/2006 03:43:00 AM |
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