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QUE DEMOCRACIA É ESSA?
Por Laurence Bittencourt Leite

Pensem bem: se já é difícil para um jornalista encontrar emprego no mercado de trabalho dentro do mundo capitalista (basta pensar no seu Estado), imagine conseguir trabalho como jornalista em regime de partido único? Onde só existe o partido do governo, e o(s) jornal(is) do governo. Imagine. Mas muitos dos jornalistas preferem esse segundo mundo. Eles não saber o que dizem. E ainda falam (alguns escrevem isso) que são a favor da liberdade? Qual liberdade cabe a pergunta? A deles, provavelmente. Outros dizem que jornalismo é oposição, tentando seguir o mote levantado por Millôr Fernandes (esse sim um defensor na prática do jornalismo como oposição) de que “jornalismo é oposição, o resto é armazém de secos e molhados”. Mas cabe a pergunta também: oposição a quem? Essa “oposição” claro irá depender de quem esteja a frente do governo.
Mas eu acho estranho quando vejo jornalista defender “governos”. Muito estranho. Isso para dizer o mínimo. Que se defenda o Estado como motor do desenvolvimento, no sentido ideológico, é até legitimo quando se acredita nisso. Mas defender o Estado como opção ideológica é diferente de defender governos, pessoas, apenas por questões de amizades ou algo parecido. Como por exemplo, defender alguém que está sendo um desastre numa gestão? Como defender um governo, quando o Estado não está sendo usado para o beneficio da população, na saúde, na educação, na segurança, na infra-estrutura? Logo, dizer uma coisa e fazer outra na prática, soa incoerência no mínimo.
Agora mesmo eu leio aqui no Rio Grande do Norte, nos jornais locais algo incrível, ou seja, de que a governadora parece disposta nesse segundo mandato a não colocar nas secretarias pessoas que queiram ser candidato no futuro. A frase chama atenção sob vários aspectos, e nenhum dos colunistas locais elevou a frase ao nível de comentário, de interpretação. Ficou apenas no simples registro da informação, algo próprio do gênero jornalístico informativo. Mas jornalismo de coluna faz parte do gênero opinativo, e nesse gênero é necessário se buscar a análise, o esclarecimento, o questionamento, para tentar apresentar novos ângulos de visão, e com isso ajudar o leitor a entender melhor o contexto. No entanto, a frase da governadora não mereceu nenhuma análise, nada, mesmo sendo como eu disse, uma frase emblemática. E por quê? Porque de cara caberia um questionamento sobre se estaria havendo por parte da governadora uma admissão de erro em relação ao seu primeiro mandato quando ela escalou diversos secretários que depois vieram a ser candidatos? Por que a mudança agora? Mas nada disso é questionado. E mais: estaria ela admitindo o fracasso do primeiro governo quando encheu o governo de secretários candidatos? Ninguém questionou (até porque parece que ninguém se sente com coragem ou disposição para questionar a governadora) a frase recente.
Ao dizer que não pensa mais em colocar nomes que queiram sair candidato nas próximas eleições, me parece implicar dizer ou sugerir que no primeiro mandato os cargos públicos foram usados apenas com intenção de eleger esses nomes, sem nenhuma preocupação com a sociedade como um todo? E político é funcionário publico, antes de qualquer coisa. Tem que está a serviço do público, do contribuinte. E se for mesmo esse o pensamento da governadora, de colocar nomes técnicos, estaria então a governadora admitindo que o estilo de gestão do atual prefeito de Natal, Carlos Eduardo (tão criticado por muitos que nunca ousam questionar a governadora), que nunca escondeu sua preferência por nomes técnicos, seria o correto?
São questões, a meu ver, interessantes, mas que escapam aos nossos analistas, comentaristas, colunistas, quando na verdade, deveria ser motivo para questionar e dar um passo a frente nisso que tentamos consolidar como sendo democracia. Mas não. O que vemos é apenas a noticia meramente informativa, não parecendo a frase da governadora motivo de reflexão e questionamento. Tudo fica na mesma, como sempre esteve. Talvez fosse melhor a oposição ter vencido o pleito, pois ai teríamos, quem sabe, um jornalismo mais atuante e questionador, sendo atento as contradições e não vendo o exercício de poder, como algo sacrossanto ou inquestionável. Não é à toa que nossa prática política se viabiliza por querer negar o exercício saudável da oposição, cooptando nomes da oposição com oferecimento de cargos públicos. Quando eu digo que nós não temos democracia, esse é um dado que por si só já explica tudo. Imagine se nos Estados Unidos, vencendo um democrata ele iria querer cooptar os republicanos ou vice-versa? Seria a morte da democracia. De qualquer forma fica como um aviso para quem acha que fazer jornalismo é realmente fazer oposição como meta para se avançar no jogo democrático, da mesma forma que acredita que o papel da oposição política é legitimo, imprescindível e que a negação dela seria a volta a censura ou ao regime de partido único. O que no fundo seria a mesma coisa.
laurencebleite@zipmail.com.br


Editado por Giulio Sanmartini   às   12/23/2006 01:03:00 AM      |