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EM BUSCA DE UM LUGAR SEGURO
Ana Maria Tahan, no Jornal do Brasil

Alda, agente de turismo, geralmente alegre, estava calada ontem à noite. Pensativa. De repente, levanta o olhar. Está brava. "Telefonei para a TV Record", anuncia. Por quê?, querem saber os amigos. "Não agüento mais ser quase assaltada no mesmo lugar", explica. Com a curiosidade aguçada ao redor, relata que foram três tentativas, todas no acesso da Avenida Perimetral à Leopoldina, Zona Norte do Rio. Os menores infratores se abrigam ali durante o dia. Fazem de caixas de papelão suas casas, sob o viaduto. Dormem. No entardecer, aproveitam o trânsito caótico e lento, quase parado, para identificar as vítimas. Especialmente as mulheres. "O que me deixa indignada é que nunca se vê um carro de polícia por ali", comenta Alda. Ela dirige um EcoSport. Os vidros são protegidos com insulfilm. "Vou trocar por um Fusca", exagera.
A quilômetros do endereço que transformou a corajosa Alda numa mulher acossada pelo medo, ouvem-se gritos de "pega, pega", correria. O trago relax do fim do expediente no bar do Leme, Zona Sul, foi interrompido pela raiva. Drogado pelo excesso de cola de sapateiro, o adolescente derrubou no chão uma moradora local para roubar o celular. Possessos com a audácia, os clientes do Xodó da Moça bloquearam a área de fuga, acossaram o larápio e o esmurraram a valer. Bateram até a chegada da viatura da PM. O mais alterado agressor não se esqueceu de avisar, dedo em riste, o ladrão: "Vá roubar em outro lugar. Aqui, não. Aqui é um condomínio de portas abertas".
Marina saiu da faculdade, passou pelo shopping Rio Sul e decidiu seguir a pé até a Praça Princesa Isabel. Sabe que a passagem por ali é perigosa, mas a presença do guarda municipal, na entrada do túnel de acesso de Botafogo a Copacabana, a tranqüilizou. Estava no meio quando dois menores a cercaram. Queriam a mochila. Ela reagiu, segurou a bolsa com o material escolar (e mais nada de valor) com força. Eles a socaram, morderam, puxaram. Miúda, Marina não largava a sacola, gritava por socorro. A corrida do guarda municipal e de um segurança do flat vizinho ao túnel assustou os jovens agressores. Marina escapou ferida, durante dias ficou acovardada em casa, apavorada com a idéia de retomar a rotina. Ao acompanhar a sova dos moradores do Leme no ladrão de celular comentou: "Antes eu teria pena, agora é bem feito. Eles não têm pena da gente".
Alda, a moradora do Leme, e Marina tiveram mais sorte do que Ana Cristina Giannini Johannpeter, assassinada durante o assalto do Leblon. Sobreviveram à violência para contar sua história. Tornaram-se menos compassivas. Menos passivas. Menos crédulas sobre o futuro. Mais realistas e inconformadas.
A insegurança nossa de cada dia assusta, deprime, intimida. Acovarda. Irrita. Magoa. E transforma cariocas em brasileiros menos piedosos. Numa cidade em que a violência integra o cotidiano de parcela crescente de habitantes, não dá mais para viver de promessas de projetos de homens públicos. Segurança não é apenas caso de polícia. É de política. Seja no Rio, em São Paulo, em Belo Horizonte ou no menor dos municípios, a falta de soluções verdadeiras, reais, práticas, objetivas para se isolar bandidos e proteger a sociedade é uma infâmia. Criminosos não podem ter a intimidade preservada. Menores ou não, precisam ser expostos à execração pública, identificados, apontados, segregados. Pelo menos por um bom tempo. Garantir um dia-a-dia menos violento para cada um é dos maiores, senão o maior, desafio à espera do presidente Lula e dos governadores que tomam posse em 1º de janeiro. Não dá mais para viver com medo. Não é justo reagir com violência à violência.


Editado por Giulio Sanmartini   às   12/02/2006 01:48:00 AM      |