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UMA ANALOGIA GENIAL
RETRATO DA ‘FAMÍLIA’ DE LUIZ INÁCIO II DA SILVA
Por Josias de Souza na Folha de São Paulo



Ao pintar o "Retrato da Família de Carlos IV", Goya abusou da genialidade. Recorreu a um artifício diabólico. No quadro, acomodou os membros da família real diante de um espelho hipotético, que os estaria refletindo. Como espelho não é dado a mentiras, o artista viu-se liberado para retratar os modelos em toda a sua feia mediocridade. A beleza da pintura está na feiúra. Como último álibi, Goya incluiu-se a si próprio no impiedoso retrato oficial. Postou-se à sombra, bem ao fundo, à esquerda, divisando o espelho.
Lula II, como que inspirado na obra do mestre espanhol, começa a pintar o retrato da “família política” que levará à moldura do seu segundo reinado. Esboça-se uma obra-prima. Postados defronte do espelho que reflete as primeiras cenas da coalizão pós-pós, os personagens do quadro brasiliense são tão ou mais caricatos do que aqueles que Goya levou à tela. Lula também cuidou de incluir-se em sua obra. Para evitar os “erros” de 2003, converteu-se em Zé Dirceu de si mesmo. Pinta –e borda—sozinho.

Sem o talento de Goya, Lula tenta superá-lo em astúcia. Embora maneje, ele próprio, os pincéis, planeja assinar a pintura com a caligrafia do PMDB, esteio político do segundo reinado. Por ora, o espelho reflete apenas o vulto de certos negociadores. Gente cuja simbologia está encerrada no reflexo amazônico de Jader ‘Sudam’ Barbalho. Parece à vontade no retrato, como se houvesse obtido uma biografia nova.
Ao fundo, José Sarney e Renan Calheiros dividem-se entre a contemplação do horizonte futuro e a disputa pela atenção do monarca. Estão à espera da batalha sanguinolenta. O semblante feminino de Roseana, amarrotado pela derrota maranhense, também já se insinua nos primeiros traços.
De resto, há no quadro de Lula II uma malta de pobres-diabos de rostos ainda indistinguíveis. São náufragos da nau não governista do PMDB. Alguns afiam os ouvidos. É como se buscassem ouvir o tilintar de verbas escondidas atrás dos balcões de autarquias e estatais por conquistar. Outros trazem o semblante pidão –próprio de quem espera receber antes de dar.
Manejando os pincéis, Lula II tenta inserir-se no quadro com ares de ser superior. É cedo, porém, para dizer como a cara do monarca se fará refletir no espelho. É possível que, ao final da obra, o autor caia em si. Talvez Lula venha a figurar na pintura com o rosto de alguém que, mesmo imaginando-se diferente, reconhece-se com os pés fincados num pântano de constrangedoras ambigüidades. O mesmo pântano que sorveu o prestígio de FHC, um antecessor que se julgava ainda mais superior.
Ao observar o quadro que está sendo pintado na Brasília pós-eleitoral, a sociedade pode vir a ser tomada de pânico. O espectador não sabe se aquilo que está na bica de contemplar é apenas mais um retrato de um grupo de culpados fingindo inocência ou um imenso reflexo do Brasil real no velho espelho.


Editado por Giulio Sanmartini   às   11/11/2006 08:11:00 PM      |