Por João Luiz Mauad em Mídia Sem Másacar
O tempo passa, o mundo evolui, as idéias se renovam, mas há coisas que não mudam jamais. Digo isso porque vários escribas e outros tantos acólitos da sinistra continuam defendendo teses tão anacrônicas quanto estapafúrdias, como o velho calote da dívida pública e a existência de uma mega-ultra-hiper conspiração entre banqueiros e Banco Central para fabricar dívidas que não existem (fajutas), além de manter sempre elevadas as taxas de juros. Comecemos falando do famigerado calote. Aliás, como calote talvez seja um termo muito forte, que ainda desperta uma certa repulsa na população em geral (se é que resta algum resquício de ética por essas bandas), os ungidos, especialistas em eufemismos como poucos, costumam utilizar termos como "profilaxia" ou "auditoria responsável" da dívida. Além desses pequenos truques semânticos, os ideofrênicos adornam suas propostas heterodoxas repetindo, em uníssono, como um coral bem ensaiado, platitudes como "os banqueiros já lucraram muito, então é justo que paguem um pouco" e outras abobrinhas parecidas.
O que eles escondem do venerável público é que os bancos são meros intermediários entre poupadores e tomadores. Seus lucros provêm do spread (diferença entre o juro pago ao poupador e o recebido do tomador). Somente uma pequena parcela dos títulos adquiridos é mantida em tesouraria (algo em torno de 23,5% dos resultados obtidos pelos bancos no último exercício foram com títulos em carteira própria), enquanto o grosso é "repassado" aos investidores (poupadores) em renda fixa. Por isso, por incrível que possa parecer aos mais afoitos e desinformados, quanto menor é a taxa de juros praticada numa determinada economia, melhor para os bancos, pois assim emprestam mais e lucram mais. Apesar do aparente paradoxo, trata-se da mais pura verdade, cuja comprovação empírica é muito fácil e anda por aí, disponível para quem quiser ver. Duvida, estimado leitor? Então veja: As taxas SELIC, durante o governo Lula (2003-2006) foram, em média, bem menores do que em FHC (1995-2002), conforme demonstra a série histórica do Banco Central (http://www.bacen.gov.br/?COPOMJUROS). No entanto, os lucros do setor bancário, tanto em termos absolutos quanto em relação ao patrimônio líquido das instituições, foram muito maiores durante Lula. De acordo com dados contábeis divulgados pela revista Veja, o lucro agregado dos cinco maiores bancos brasileiros (Bradesco, Itaú, Banco do Brasil, Banespa e Unibanco), nos três primeiros anos da gestão Lula, foi de aproximadamente R$ 44 bilhões brutos, enquanto nos oito anos de FHC foi de R$ 36 bilhões. Portanto, obtiveram um lucro anual médio de R$ 14,6 bilhões no governo Lula, contra R$ 4,5 bilhões no de FHC, mesmo com as taxas caindo ladeira abaixo. Soa estranho, não? No Brasil, pode ser. Especialmente porque nos acostumamos a ouvir aquela velha ladainha segundo a qual os juros altos só beneficiam os banqueiros, sendo resultado de uma grande conspiração entre os tubarões do capital financeiro internacional e os ogros neoliberais que dominam o BACEN desde o governo passado. Falácias e pesadelos esquerdistas a parte, o aspecto mais importante dessa discussão é que, ao contrário do senso comum, a maior parte da dívida do Estado está nas mãos de pequenos poupadores, como eu, você ou qualquer possuidor de reservas financeiras investidas em renda fixa. Portanto, é na grana dessa gente que eles querem dar calote ou, como dizem, fazer uma "auditoria séria". Não se iluda, meu caro leitor: se o governo parar de honrar os seus (dele) compromissos, como querem esses sacripantas, os mais prejudicados serão justamente os pequenos investidores, pois os grandes, dentre esses e principalmente os banqueiros, saberão defender-se muitíssimo bem. Uma outra questão até hoje muito mal explicada ao grande público e que, por conseguinte, tornou-se terreno fértil para campanhas sórdidas de desinformação e desmoralização (muito freqüentes nos debates da última eleição), diz respeito ao fabuloso aumento do estoque da dívida ocorrido durante o governo FHC. Não raro, os acólitos do PT e seu séqüito de bobalhões utilizam as estatísticas de crescimento da dívida pública para induzir o cidadão comum a pensar que houve alguma sacanagem ou, em palavras mais sofisticadas, que os integrantes daquele governo locupletaram-se com "a banca" para roubar o povo brasileiro. (Com o perdão da má palavra, caro leitor) coisa de gente canalha, sem quaisquer escrúpulos! Como bem sabemos, há três formas de o governo sustentar os seus gastos: cobrando tributos, endividando-se ou emitindo dinheiro. No Brasil, durante muitas décadas, o Estado utilizou-se, em grande medida, da emissão de papel pintado para financiar os desperdícios do serviço público - por desperdício, leia-se: a corrupção endêmica, as obras faraônicas que levam o nada a lugar algum, os privilégios e as sinecuras de políticos e servidores, mais todo aquele festival de gastança irresponsável que conhecemos tão bem. A estratégia de colocar as impressoras da Casa da Moeda para funcionar freneticamente trazia algumas "vantagens" de curto prazo, especialmente para os governos da hora que sempre dispunham de dinheiro às pencas para suas extravagâncias e ainda evitavam decisões impopulares, como o aumento de tributos ou o endividamento. Entretanto, as conseqüências desse ardil fiscal heterodoxo, irresponsável e criminoso, a longo prazo foram (como de resto sempre serão) nefastas, por causa da inflação e todos os desajustes que ela produziu na economia. Economistas sérios costumam dizer que a inflação é o pior dos impostos, pois só o governo lucra com ela, enquanto os principais prejudicados são os mais pobres, pois estes não têm condições de defender-se, como a classe média ou os ricos que, mal ou bem, sempre arranjarão um porto seguro para atracar suas poupanças e salários. Pois bem, quando FHC conseguiu controlar a inflação, aquela fonte inesgotável de dinheiro (papel pintado talvez fosse o termo correto) secou. Sobrou um monte de gastos correntes com funcionalismo, aposentadorias, custeio da máquina, juros da dívida, investimentos em infra-estrutura, etc., que precisavam (e deveriam) ser cortados, reduzidos ou pagos com outra fonte de financiamento. Como a nossa Constituição dos privilégios (farta em garantias e direitos pétreos) não dá muito espaço de manobra para cortes efetivos de gastos, a opção dos tucanos foi pelo aumento da carga tributária e o endividamento. Some-se a isto um elevadíssimo número de velhos esqueletos não contabilizados, guardados a sete chaves nos cofres do Leviatã, além da incorporação de pesadas dívidas de estados e municípios (algumas já em processo de moratória) e chegaremos à real explicação para o aumento brutal da dívida. (Sobre esse assunto, sugiro a leitura de um livro excelente, chamado "3.000 dias no bunker", de Guilherme Fiúza, que conta toda a história na voz de quem efetivamente a vivenciou, e não na de jornalistas e comentaristas mal intencionados que passam a vida atrás de um teclado dizendo besteira, fazendo proselitismo e esculhambando a honra dos outros). Eu não sou um apologista do governo FHC. Muito pelo contrário, como liberal penso que a sua pouca disposição para enfrentar a necessária redução dos gastos públicos e os reveses políticos que esta decisão acarretaria, tendo ele optado, afinal, pelo caminho menos espinhoso de jogar a maior parte dos encargos nas costas dos contribuintes (presentes e futuros), foi a verdadeira herança maldita daquele governante. No entanto, não podemos ser levianos a ponto de achar, ou mesmo insinuar, como fez o PT na campanha eleitoral, que alguns caras tinham alguma espécie de conluio com banqueiros para endividar o país e manter os juros elevados. Até porque, se tudo o que dizem fosse realmente verdade, de duas, uma: ou o governo Lula seria conivente, pois soube da existência de crimes no governo anterior e não procurou investigar e punir os culpados, ou é extremamente leviano, pois investigou, não encontrou nada e insiste em conspurcar a honra alheia com insinuações e afirmações que sabe inverídicas.
Editado por Giulio Sanmartini às 11/14/2006 01:07:00 AM |
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